quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Ensaio de navegação

Era bom pegar com as mãos a areia endurecida e tentar moldá-la, para em seguida deixar os grãos escorrerem entre os dedos. Isabel pensava o quanto era agradável àquela sensação. O som das ondas compunha a sonoplastia perfeita. Um vento leve começava a soprar. De repente um estrondo interrompeu àquela paz, ela não sabia se real ou imaginário, uma vez que naquele cenário quase paradisíaco não havia nada que pudesse causar .... Sacudiu a areia e levantou olhando para os lados,queria gritar, pedir socorro, só que sua voz não saia. E se gritasse? Quem poderia lhe ouvir? Sentiu medo, como nunca sentira antes, medo de constatar que o estrondo era sua imaginação e ela estava enlouquecendo e ao mesmo tempo medo de ter sido real e algo aterrorizante fosse lhe acontecer. Como se surgisse do nada, um cachorro apareceu. Ele olhou para Isabel e era como se dissesse: não há o que temer.Isto também era estranho.


- Ótimo!

- Você acha mesmo?

- Está muito bom,por mim não mexemos em nada.

- Estou um pouco ansiosa, gostaria de mudar um pouco, por exemplo, esta parte do cachorro....penso em retirar.

- Eu gosto da parte do cachorro, você quer retirar? E vamos deixá-la sozinha ou chegará alguém?

- O estrondo é real ou imaginário?

- Depende do que você considera real...

- Não comece com filosofia barata, preciso saber, ela não pode ficar lá indefinidamente...

- Claro que não, mas você está se baseando em qual tempo, no nosso ou no dela?

- Está difícil hoje, no tempo dela é claro.

- Você está cansada, penso que você se preocupa mais com ela, temos outros para cuidar e ...está bem, está bem, não precisa ficar assim, o estrondo foi real e ela sentiu um medo maior do que seria considerado normal, já que está num lugar onde era pouco provável que algo fizesse tamanho barulho.

- Percebo que você sabe mais do que a respeito do que vai acontecer ali...Às vezes é exatamente isso! Penso que faço um papel aqui até parecido com o dela, por isso me identifico. .Dou as minhas sugestões e você já sabe o que vai acontecer, você nunca tem dúvidas.

- Você está cansada, vamos combinar uma coisa? O cachorro fica pelo menos até amanhã e depois a escolha será sua, poderá aparecer alguém ou ela descobrir que foi um velho paiol que explodiu....

- Está bem, eu estou mesmo cansada e é melhor decidirmos isto amanhã. Não quero que a decisão seja só minha, não pode ser assim, não é assim que funciona..

- Até ela também pode escolher?

- Como assim??

- Você nunca percebeu isso? Não fui eu quem colocou o cachorro lá e pelo visto nem você...

- Vamos resolver então amanhã, agora se é como você diz, algo novo pode acontecer...


Max andava apressado pelas ruas, atravessava às avenidas sem olhar o fluxo dos carros, um motorista passou e disse uns palavrões. Mas Max só pensava em chegar cedo ao seu primeiro dia no emprego. Ele passara a noite anterior praticamente sem dormir, pensando como seria, o que iria dizer,como iria se comportar. Era como se fosse o primeiro dia de aula em um colégio novo.

Dando um salto ele consegue agarrar a porta do ônibus e entrar. O motorista olha para ele com desdém. Max sorri sem se importar. Nada pode atrapalhar o seu dia hoje. Uma sombra de dúvida atinge os seus pensamentos: Será? Será que nada dará errado? Por quê?


- Pra mim, este Max é muito preocupado, ele é tão jovem ainda!

- Nem tanto, ele já está com vinte e dois anos...

- Você é muito engraçado, fala vinte e dois anos com uma gravidade.

- Hum, hoje você está melhor, descansou bem?

- Descansei, apesar de ter ficado pensativa com o que você disse...O fato de aquele cachorro ter aparecido sem ter sido por vontade nossa.

- Você acabou de criticar o Max e está se preocupando demais também.

- Só que nós temos mais responsabilidades do que ele, você não acha?

- É relativo.


Um rapaz alto chega correndo a praia ele grita:

- Tob!

O cachorro vai até ele, o rabo abanando.

Isabel olha para os dois e dá um sorriso tímido.

O rapaz pergunta:

- Ele incomodou a senhora?

Sem responder,Isabel faz outra pergunta:

- O que foi aquele barulho?

Ela pergunta um pouco temerosa,pois ainda não tem certeza se o barulho foi real ou imaginação, ou mesmo se o rapaz estava em outro lugar no momento e não pode ouvir.

Jânio sorri enquanto coloca a coleira em Tob.

Isabel insiste:

- Você ouviu?

- Claro todo mundo ouviu! Foi uma explosão no antigo paiol de pólvora.Felizmente ninguém saiu ferido, aliás estava deserto por ali...

Isabel não pode conter um suspiro de alívio.Ela levanta e estende a mão.

- Desculpe,eu nem disse o meu nome, Isabel e o seu?

- Jânio e ele é Tob. Com o barulho,acho que ele ficou nervoso e se soltou da coleira.

- Ele me tranqüilizou, gostei muito da chegada dele...

- Estranho, a maioria das pessoas tem medo, não sei se porque ele é grande, parece um lobo.

- É que eu estava sozinha e fiquei muito assustada com o barulho e então ele chegou e me senti protegida..

Jânio deu um sorriso de satisfação e um tapinha na cabeça de Tob.

- Bom, agora nós já vamos indo..


-Ele vai embora agora? Eu tinha imaginado que fosse ficar, conversar...

- Nossa sintonia não anda boa, eu disse ontem que você não deve se identificar com a Isabel,ficar criando expectativas, temos que dividir o tempo com os outros e não ...

- Já sei já sei, desculpa você tem razão.Vamos ver como o Max está se saindo no emprego novo?

-Mais tarde, está na hora de cuidarmos da Sonia...Lembra dela?

- Hum, claro que sim.


Sonia cuidava dos preparativos da sua festa de aniversário, ia fazer cinqüenta anos daqui a oito dias. Ela sempre queria uma grande festa e esta seria ainda mais especial, mais uma década vivida, o primeiro neto a caminho. Mãe de um casal de filhos, nunca imaginou que a sensação de ser avó,seria tão diferente.Achava que a emoção não seria tão grande, no entanto no dia que levou a filha para fazer a ultra-sonografia e viu o bebê na tela, ficou aos prantos. Nem Clarissa, mãe de primeira viagem, se emocionara tanto.

Casada com Artur há mais de vinte anos, depois do inicio conturbado, passava por uma fase tranquila e feliz.

Mesmo Luis Antonio o filho mais novo do casal que passava pela temida fase da adolescência, era um jovem sossegado.


- O que você pensa a este respeito?

- O quê? Sabe ando temerosa de falar o que eu sinto, estamos divergindo tanto e ..

- É assim mesmo, caso contrário não seria necessários 2 às vezes mais para fazer o nosso trabalho.

- É engraçado pensar assim: trabalho.

- É só um nome, poderia chamar de missão...Não vamos divergir até por conta do vocabulário agora,por favor...

- Está bem, eu reconheço que exagerei agora. Apesar de tudo estar tranquilo por lá, posso sentir uma tensão no ar,como se algo estivesse para ocorrer dentro de pouco tempo.

- Eu também sinto o mesmo...e não está ao nosso alcance desvendarmos o que é...

- Chegaremos a este ponto um dia?

- Este é um mistério para mim, já me perguntei muito sobre isso, mais no inicio, com o tempo me acostumei e coloquei no automático.

- Nem tanto, se não você nem diria isso.

- É, você está certa.

- Existe alguma relação entre eles?

-Eles quem?

- Isabel, Max, Sonia e sua família;não consigo lembrar assim de chofre o nome de todos...

- É um outro mistério.Repare...


Artur tinha entrado em casa, estava com a expressão fechada, a testa franzida,as mãos pareciam que faziam força dentro dos bolsos.

Sonia sorriu:

- O que houve?Você está com uma cara de dar medo..

- Nada, estou cansado..Você está preparando a sua festa?

Ela pára na frente dele,puxa o rosto dele,forçando com que olhe para ela.

- Não é só cansaço, vamos diga o que está sentindo...vamos sentar ali, eu lhe faço uma massagem.

Olhando para baixo ele responde triste:

- Não, eu vou tomar um banho, depois...

- Você não quer me dizer o que houve?


- Depois, mais tarde, deixa eu tomar um banho...

Sonia sentou pensativa. Não conseguia imaginar o que tinha deixado o marido assim, ele sempre fôra tão expansivo, brincalhão, mesmo nos momentos mais dificéis sempre tinha um ar descontraído.

- Mãe?Mãe?

Como se estivesse acordando de um sonho,Sonia dá um salto :

- O que foi?Que susto menino!

-Eu é que me assustei,você estava aí no sofá segurando esta caneta, entrei,fiquei chamando e nada...parecia que você estava em outro planeta.

- É você tem razão, estou preocupada com o seu pai...

- O que ele tem?

- Chegou muito esquisito,não quis conversar,disse que ia tomar um banho..

-Ah, não deve ser nada demais.

- Você sabe que ele não é assim...

Luís Antonio deu de ombros e foi para o quarto.


- Você sabe o que aconteceu com ele? Por que está sorrindo assim?

- Sua pergunta é comum aos principiantes...

- Só porque você chegou a mais tempo não é motivo para este tom irônico a cada pergunta minha...

- Lá vamos nós outra vez...

- Não, não precisamos começar a discutir, talvez fosse melhor que me colocassem com outro par...

- Desculpe,eu estou sendo inconveniente, as duplas normalmente são formadas assim, quem está começando com quem já está há mais tempo...vou evitar as ironias.

- Não está na hora de vermos o Max?

- Está sim.


Max olhou para o relógio,conseguiria chegar a tempo, mas não com a antecedência que desejava.Queria poder sentar na sua cadeira.Sorriu ao pensar neste pronome “sua”,ele teria uma mesa e uma cadeira.Está bem que isso fosse pouco só que era apenas o inicio. Sabia disso,tinha certeza que logo logo teria a sua própria sala.Ah,quanta bobagem,ele sorria sem parar.

Quando chegou ao escritório,Marluce,a secretária veio dar-lhe as boas vindas:

- Bom dia Max.Tudo bom ?

- Tudo.

- Vou mostrar a sua mesa...

Ele já sabia onde era, havia visto na semana anterior quando fôra contratado,e já tinha feito aquele caminho mentalmente durante a noite.Mas achou melhor segui-la tentando fingir que não sabia.Passaram por algumas salas, até chegarem a uma ampla sala com várias mesas e pequenas separações.

Marluce aponta:

- Esta é a sua mesa, o telefone,o micro..Caso tenha qualquer dúvida você disca para o meu ramal.Tem uma lista dos ramais principais naquele quadro.

-Obrigado...

Max fica em pé ao lado da cadeira,com vontade de sentar depressa e começar logo a mexer no computador, mas espera que Marluce se afaste.Não quer que ela pense que ele está tão ansioso.

Mal Max começa a arrumar o seu material de trabalho,um rapaz um pouco mais velho que ele se aproxima,fica escorado na divisória que separa a mesa uma das outras.

- Começando hoje?

- Sim.

- Hum...depois você vai ver a chatice que é.Sabe quando eu comecei eu era igual a você..

Max não estava preparado para esta situação, não sabia o que dizer.

- Pode ficar tranquilo,o serviço é fácil...só é chato mesmo.

Para grande alívio de Max,uma voz fina e estridente chama o rapaz:

- Aurélio vem aquiiiii...


- E então?

- Não quero falar ...continuo com a impressão de que você vai me criticar, creio que criamos aqui um clima insustentável.

- Aqui ou na história do Max?

- Você sabe que estou falando entre nós dois. Quero fazer perguntas, e não me sinto a vontade.

- Já disse que não vou mais dar respostas irônicas. Errei mais do que você, uma vez que já estou há mais tempo por aqui e deveria ensiná-la. Já pedi desculpas e vou tentar reparar o erro, só que você tem que colaborar e me dizer o que achou..

- Não entendo por que certas situações estão ocorrendo, por exemplo, no caso do Max, nós sabemos que este emprego é realmente ruim e que ele não vai ficar lá por muito tempo.

E, no entanto, não fizemos nada para alertá-lo.

- É que não cabe a nós, não temos este poder.

- Queria entender melhor a nossa missão, saber qual é o momento de agir, o que podemos modificar, o que devemos deixar que eles decidam. Em alguns casos eu sei o que vai acontecer, em outros não consigo nem intuir.

- Não sei se isso a tranqüilizará, eu também não sei.

- E você não se exaspera com isso?

- Em certos momentos sim, em outros, eu entrego para Deus. Creio que ele tem o conjunto das respostas.Obrigado.

- Por que você está me agradecendo?

- Sinto que me perdoou e está deixando que eu volte a minha função de orientador.

- Você sente saudades?

- Do quê?

- Da época em que vivia lá...

- Não sei do que você está falando, não me lembro de ter vivido antes....- após uma pausa- Você pensa que já viveu assim, que já esteve em outro lugar? Tem alguma lembrança?

- Não, às vezes, sei lá...


Sonia continua com a mente fervilhando, lembrando das histórias que ouvia com freqüência no salão de belezas, muitos maridos que depois de anos de um casamento aparentemente feliz, iam embora com mulheres mais novas, mais velhas e alguns casos até com homens .Um mais recente tinha aderido a uma religião oriental e fora mora em outro país. Ela sempre ouvira estas histórias com ar de incredulidade, como se fossem novelas.Mas agora uma sombra de dúvida lhe afligia.O que será que acontecera com Artur? Ou será que já vinha acontecendo e ela nem notara.

Artur sai do banheiro,ele está com um roupão azul marinho, presente de Sonia no último aniversário de casamento. Ela encarou isto como um bom sinal.

- E então? O que aconteceu?

- Problemas no trabalho, podemos conversar sobre isso mais tarde...

- Não, eu fiquei muito aflita, você nunca chegou em casa desta maneira, preciso saber o que é.

- Fui demitido.


- Talvez você se aborreça comigo novamente, mas já tem algum tempo que não temos notícias da Isabel, não poderíamos ver o que está ocorrendo por lá?

- A demissão do Artur e como isso afetará várias pessoas não é mais importante? Afinal a Isabel está bem..

- Será mesmo? Sem querer provocar uma nova discussão fico com a impressão que você privilegia a Sonia e o Max.

- Absurdo, nem é nem assunto para discussão.Não privilegio ninguém e não sinto nada em especial, procuro cumprir as minhas missões de maneira justa. Penso que você,pelo fato de ter dúvidas sobre o que aconteceu antes, cria identificação com a Isabel, simpatiza com uns e antipatiza com outros. Escute...

- É você pode estar certo, vou pensar sobre isso...

- Já que você insiste vamos ver como anda a Isabel


Janio começa a caminhar devagar.Isabel permanece olhando para ele, no fundo, esperando que ele se volte. E é o que ele faz quando está há alguns metros na frente.

- Você vai ficar?Já está um pouco tarde e ...

Isabel olha para os lados e depois pergunta:

- Não é seguro?Ouvi dizer que por aqui é muito tranqüilo.

- É sim, só que a iluminação é precária e vai ficar difícil pra você caminhar.

Isabel caminha até Jânio,os dois seguem sem falar.

Jânio solta a coleira de Tob que corre em disparada até a pequena calçada de pedras.

Isabel quer quebrar o silêncio, mas não encontra as palavras.


- Esta história está lenta, pensei que a esta altura os dois já deviam ter conversado mais, contado sobre a vida um do outro, pelo menos uma conversa corriqueira.

- É, nem sempre acontece assim, os dois tem muito o que conversar, só que eles ainda não sabem disso. Ele tem receio por ela ser uma estranha vinda da cidade e ela não quer se abrir com um rapaz que ainda mal conhece.

- Vamos colocar um elo entre eles, algum elemento para facilitar a comunicação?

- Não, o primeiro elo, ela já criou, foi o cachorro.

- Você acha mesmo que foi ela quem chamou o cachorro?

- Foi você?

- Não! Você sabe que não.

- Então é o que eu estou dizendo, só pode ter sido ela.

- E se tiver mais alguém além de nós? Alguém que também esteja participando desta missão?

- Não, você já aprendeu isso, trabalhamos sempre em duplas com missões fixas e não temos autorização para criarmos nada que não nos diga respeito... Isto é proibido.

- Sei que é proibido, não significa que seja impossível de ser feito.

-Quase impossível, isto pode causar uma desordem de tal grau que nem sei....seria muita irresponsabilidade alguém tentar isso, e qual seria o motivo?

- Experimentar, uma vaidade incontida, vontade de fazer o proibido..

- Argumentos que não são cabíveis por aqui.

- E se ela tem o poder de chamar o cachorro ou de alterar os elementos da sua história, isto também não poderia causar desordem? Se todos começarem a agir assim? Que missão seria a nossa afinal?

-Elementos pequenos não precisam ser considerados, veja que o cachorro no final das contas não alterou a história.

- Não e sim...porque depois que ele apareceu,ela sossegou o espírito, ficou mais calma. Caso contrário, ela poderia ter saído da praia aos gritos, poderia ter chamado a atenção de outras pessoas.

- É verdade, só não sabemos se ...Observe..


Sonia deu um sorriso de alívio que Artur não compreendeu.

- Você sorri?

- Desculpa é que pensei tantas hipóteses horríveis enquanto você estava no banho..

- E isto não é horrível?Trabalhei vinte anos naquela firma e ...- ele coloca as mãos apertando a cabeça para baixo – como vai ser agora?Temos uma reserva muito pequena, nosso filho vai fazer vestibular este ano..

Sonia aproxima-se de Artur e o abraça.

- Calma, eu entendo..

- Não você não entende, como pode sorrir?

Sonia falou quase num sussurro:

- Pensei que você fosse embora.

Artur estava muito transtornado e por sorte não ouviu, ele não conseguiria compreender este pensamento.

Luís entra na sala, estranha ver aquela cena,os pais abraçados,o pai com olhar desesperado e a mãe como quem mima uma criança que acabou de levar um tombo.

- O que aconteceu?

Nenhum dos dois responde.

Luís insiste:

- Vocês brigaram?

Sonia e Artur respondem ao mesmo tempo:

- Não, não aconteceu nada.

Luís sacode os ombros,este gesto estava quase se tornando um tique nervoso.

- Se vocês não querem falar,tudo bem. To indo pra aula.

Artur deixa escapar uma lágrima.


-É eu também pensei que ele tivesse arrumado outra, algo parecido.

- Ah...às vezes chego a pensar que você está certa.

- Como assim?

- Que nós já passamos por isso, que já vivemos estas situações ou parecidas. Sabe eu estou há muito tempo por aqui e não consigo mais imaginar isso, mas quando você diz estas coisas...


- Eu é que não entendo como se processa com você, não imagina o que vai acontecer,o que aconteceu conosco? Como estamos aqui?

- A sensação que eu tenho é que o tempo é diferente, que depois de estar por tanto tempo acompanhando ..

- Se o seu tempo é diferente do meu e dos deles, como consegue saber se está aqui há muito ou pouco tempo?

- Justamente por isso, eu sei que tem algo diferente entre a minha medida e a de vocês...Não estou dizendo que sou superior,nada assim, por favor não se ofenda.

- Não estou ofendida, não sou tão vulnerável, creio que tenho alguns méritos, caso contrário não estaria com você.


As semanas passaram depressa, Max já não corria para chegar ao trabalho. Apesar do pouco tempo no serviço, já começara a sentir um certo desânimo. Era quase sempre a mesma rotina, ligar o computador, arrumar os papéis e esperar alguma tarefa,às vezes chegava o horário de almoço sem ele ter feito nada. Apenas um dia, ele teve a esperança de que finalmente começaria a fazer algo útil e que o levaria a começar a sua escalada para postos mais altos.Mariluce chegou esbaforida e disse que ele tinha que comparecer imediatamente a sala do chefe. Max ajeitou a camisa dentro da calça, deu um sorriso para si mesmo e saiu em disparada. Alarme falso, o chefe só queria saber de alguns documentos pessoais de Max que não haviam sido entregues ao departamento pessoal.


- Este trabalho do Max está cansando até a mim...Qual é a função dele aí?

- É esta mesma, ele tem que ficar aí durante um mês, um mês e meio, mas talvez não consiga chegar até o final da terceira semana.

- Ele tem que ficar aí? Sem fazer nada?

- É, exatamente isto. E mesmo assim,pode ser que ele não consiga o que será uma pena.

- Pode ser que eu chegue um dia ao seu estágio, por enquanto ainda me sintonizo com as esperanças..Não consigo entender o propósito dele passar um mês da vida neste emprego...

- Como eu disse antes, depois que você estiver mais tempo aqui, vai parar de se ater a certos detalhes..


Artur enxugando a lágrima com a palma da mão.

- O que vamos fazer?

Sonia segura nas duas mãos de Artur e diz:

- Nós vamos sair desta, eu tenho certeza, por quanto tempo você acha que pode ficar sem trabalhar?

- Uns dois, três meses no máximo... Fico impressionado com você.

- Por quê?

- Até agora você não me perguntou o motivo,e chegou a sorrir...pensei que você ter uma crise de nervos e está aqui me consolando.

- Quando você chegou transtornado e não quis falar comigo, pensei tantas coisas, mas o que mais me atemorizava é que fosse embora.Não conseguia pensar em outra hipótese, pode parecer juvenil, só que este era o meu maior medo.

Sonia falou com uma segurança que nem de longe parecia aquela mulher que havia sussurrado minutos atrás. Artur não pode deixar de sorri também.

- O que vamos fazer?Os nossos filhos, o nosso neto chegando.

- Nós vamos dar um jeito. Eu sei que vamos. Quanto ao nosso neto, ele tem os pais para cuidar.

- Você só pode estar brincando, são praticamente duas crianças ainda...

- Não, não são não. George e Clarissa trabalham,já tem a vidinha deles estruturada..Quem mais me preocupa é o Luís Antonio.

- Queria ter a sua segurança, fiquei tão deprimido...Sabe qual foi a justificativa para minha demissão?Eu que trabalhei durante estes vinte anos,sem faltar um dia sequer?Que perdi noites de sono para entregar os relatórios no prazo,que perdi horas de convivência com você e com os meninos?

Antes que Sonia desse uma palavra, Artur respondeu às suas próprias perguntas:

- Corte de despesas!!! Quando esta semana mesmo contrataram um funcionário!

- Um funcionário para uma função igual a sua?

-Não um subalterno, bem jovem tive um sentimento estranho em relação a ele..

- Como assim?

- Inveja e pena, fiquei lembrando de como eu era quando comecei na empresa,vi o mesmo olhar,a mesma ansiedade..Ele passou pela minha porta e olhou com admiração a placa de Gerência...Coitado.


- Espera um momento! Ele está falando do Max?

- Isto não é uma novela!

- Por que não nos ensinam isso quando chegamos aqui? Penso que deveria ter um curso, pelo menos do básico; eu me sinto sem capacidade de escolher os caminhos, o melhor rumo.

- É justamente por isso que não nos ensinam nada com antecedência, ao contrário do que você imagina é este o propósito.

- Hã? Você é tão enigmático, às vezes me parece que já nasceu aqui, nunca esteve em outro lugar..

-Vamos continuar,ainda temos muito o que fazer e estamos parando muito. Isto pode alterar o ritmo deles, o que seria prejudicial.


- Jânio!

Jânio se vira, Isabel está parada com a mão no tornozelo.

- O que houve? Você se machucou?

- Está doendo muito, acho que pisei de mal jeito.

Jânio abaixa e coloca as mãos no tornozelo de Isabel,ele observa como se fosse um profissional da área de saúde.

- Dói aqui?

- Dói...dói muito...

-Vou ajudar você..- Ele coloca-a no colo.

Isabel fica vermelha. Jânio parece não reparar.

- Vou carregar até aquela barraca, lá tem umas cadeiras e você pode descansar e colocar um pouco de gelo.

-Obrigada, não precisava..

- Não é nada..



- E agora? Está satisfeita? Tem um romance surgindo, como você queria...

- Não seja bobo, eu não queria um romance, só pensei que...

- É isso o que você tem que aprender, a desligar dos conceitos,de querer criar romance. Quando disse que eu tinha simpatias ou antipatias, estava pensando do seu jeito – Ele falava num tom conciliador – não existe o nosso querer aqui, não estamos criando histórias que tenham finais felizes ou não, é algo muito maior.E é por isso que não tem curso preparatório, só a prática pode ensinar, o sentir.


Reunião no terceiro andar, corredor central,todos os colaboradores compareçam.

- Que voz foi esta? Aqui também tem reunião?

- Estas reuniões são feitas para nos integrarmos ao resto do grupo, tem vários níveis, em alguns andares trabalhamos com duplas como a nossa; um iniciante e um em estágio mais avançado. Zelando por algumas histórias pouco complexas sobre determinados aspectos e que facilitam os iniciantes a se familiarizarem com as suas missões.

- Entendi, bom, espero que esta reunião me ajude um pouco.

- Com certeza irá ajudar.

- Ainda temos tempo? Sabe eu ainda não consigo lidar com estas abstrações a respeito do tempo...

- O tempo aqui não é abstrato.

- Não tem nenhuma marcação, não sei que horas são agora, não sei que horas será esta reunião...isto é abstrato para mim.

- Quando chegar a hora da reunião irá tocar uma campainha, algo assim.

- É por isso que penso que já vivi lá, sinto-me perfeitamente integrada com relógio, penso em dormir,acordar, comer....

- Fazemos tudo isto aqui.

- Desde que cheguei não comi nada, nem me lembro de ter dormido.

- Tente ao menos um pouco esquecer isso, não tem tanta importância...Vou explicar melhor, você está com fome?

- Não.

- Com sono?

- Não,não sinto nada disso.

- Então! Tem dormido e se alimentado só que de forma diferente, procure serenar mais seus pensamentos.


Max olha o relógio, está nervoso, o ônibus está demorando e ele prometeu chegar em casa antes das oito. Todo dia estava ficando no trabalho pelo menos uma hora a mais. E se ainda tivesse algo interessante para fazer, mas nada era a mesma inércia. As ruas começavam a ficar vazias.Ele começou a caminhar quando ouviu dois senhores conversando

- É os ônibus entraram em greve hoje às dezoito horas!Bem na hora do rush!

Um dos senhores olhou para Max

- E parece que tem gente que ainda não ouviu a notícia.

Max sorriu e perguntou timidamente:

- Desculpe me intrometer..o senhor disse que os ônibus estão em greve?

- Sim rapaz,você não viu os noticiários?

-Não estava no trabalho. Lá é um escritório não sei o que se passa na rua.E agora como vou fazer?

- Você mora longe?

-Sim,como vou fazer?

Um dos senhores dá de ombros e o outro sorri amistosamente:

- Volta e meia passa um carro oferecendo lotação..Só que você deu azar porque acabou de passar um..

Max se encosta em um poste e dá um pequeno sorriso:

- Bom é melhor do que nada. Voltar a pé é que não dá.



-Posso fazer uma pergunta?

- Claro,antes de começar a reunião...

- Nós somos anjos?

- Você é engraçada...Já viu algum ser alado por aqui?

- É realmente você não costuma ter respostas angelicais, mas entendeu o que eu disse.

- Não, nós não somos anjos, nem seres especiais em alguns aspectos.

-Nossa!

Eles acabavam de chegar na galeria onde ocorreria a reunião. Era um lugar muito amplo com milhares de telas de tv, em cada uma delas podia se acompanhar não noticiários, filmes e ...sim!

- Ali naquela tela não é o Max?

- É sim.

- É mais ou menos como a nossa sala...só que estou vendo que aqui passam também outras épocas!

- Vamos nos acomodar por ali.Você está parecendo uma criança deslumbrada com um parque de diversões.

- Quando você esteve aqui a primeira vez também não foi assim? Duvido que alguém passe por estas etapas,salas, imune, sem sensações que você pode chamar de infantis ou como quiser.

- Ok, não se zangue.

- Estamos há dias juntos e ainda não sei o seu nome,ou será que isso também é inútil por aqui?

- Pode me chamar de Ziog.

- Este é seu nome mesmo?

- Cheguei aqui há muito tempo e eu me lembro que era assim que me chamava antes,não tenho bem certeza só um som que me ficou na memória.

- Lembro muito bem do meu nome!

- Você quer que eu pergunte ou vai dizer?

- Ester...Você já tinha esquecido?Fomos apresentados quando cheguei aqui.

-Perdão, tenho estudado e trabalhado tanto com os aprendizes que minha memória tornou-se muito seletiva. Agora você deve ficar ali na frente junto com os outros.

- E você?

- Não o meu lugar é aqui atrás, cuidando da supervisão.

- Estas telas não atrapalham a concentração.

- Já vai começar...ande vá para o seu lugar.



Ester continuava a olhar curiosa para as telas, de repente as imagens pararam e uma voz se fez ouvir.

- Sejam bem-vindos ! A maioria de vocês deve estar se perguntando que lugar é este, como chegaram aqui e muitas outras perguntas. Sei que vou decepcioná-los mas poucas destas serão respondidas hoje. Aos poucos os seus supervisores lhes orientarão nas respostas e creiam isto não é o mais importante.

Um burburinho, os aprendizes começam a se levantar, querem explicações, um tenta se comunicar com o outro, sem sucesso.

Silêncio, por favor.

Todos aqui tiveram um inicio muito semelhante e por isso foram chamados a um só tempo.

Chegaram, receberam suas tarefas, algumas vidas que deveriam observar, fazer algumas alterações ou não. O que eu quero dizer é que terão que fazer isso até que sejam aprovados para uma nova fase.

Mais uma vez, os aprendizes se agitam, falam ao mesmo tempo.

Ester olha para trás e vê Ziog com a expressão fechada. Apesar de toda sua curiosidade, desde que a voz começou a falar, ela havia ficado quieta e indiferente ao nervosismo dos que estavam a sua volta.

-Silêncio!

Na mesma hora o tumulto cessou.

- Obrigado. Sei da angústia de cada um de vocês, das dúvidas e sei também que isto irá passar. Responderei a algumas perguntas, com ordem e só aquelas as que forem realmente importantes.

Um dos aprendizes que estava na frente de Ester se manifesta:

- Por que estamos aqui?

- Esta pergunta não é relevante no momento.

O mesmo aprendiz retruca mal-humorado:

- Você pode responder todas as perguntas desta forma e esta reunião não servirá para nada.

Um momento de suspense se instaura na galeria. Alguns ficam com medo da reação dos mestres, outros apóiam a coragem.

- Está certo! Esta reunião não serve para nada, estão todos dispensados e podem retornar as suas missões.

Instala-se um grande mal estar, os aprendizes tentando encontrar seus mestres, alguns destes se retirando da galeria sem olhar para trás.

Ester alcança Ziog:

- Que reunião foi esta? Agora entendo menos ainda.

- Gostei da sua atitude.

- Por quê? Achei você com uma expressão tão fechada...fiquei até com medo de ter feito algo errado, como se fosse uma menina no seu primeiro dia de aula.

- Não, você ficou quieta e não fez perguntas desnecessárias. É sempre assim, algum novato faz uma pergunta indevida e a reunião termina antes da hora e não aproveitamos nada deste momento que poderia ser muito instrutivo.

- Nossa...Não entendo uma coisa, isso não é esperado? Não é esperado que alguém faça exatamente esta pergunta? E sendo assim...

- Entendo o que você quer dizer. Já nos afastamos tempo demais, é hora de voltar ao nosso trabalho.Um momento...antes queria lhe fazer uma pergunta...

- Claro,até que enfim não sou eu quem pergunto...

-Você que sempre faz muitas perguntas, não teve vontade? Tenho até que lhe pedir desculpas, porque jurava que se manifestaria.

- Não falei por dois motivos: o primeiro, penso que foi o mais forte, é que estava inebriada,hipnotizada,sei lá; e o segundo é que quando olhei a sua expressão...

- Fico agradecido.

- Se nós não devemos falar, por que não somos orientados neste sentido? Os supervisores poderiam...

- Não, assim o teste não seria válido. Esta primeira reunião é um teste maior para nós do que para vocês.

- Estou ficando cada vez mais confusa, prefiro recomeçar a ver como eles andam....


Jânio colocou Isabel numa cadeira.

- Está confortável?

- Sim, mas o tornozelo ainda dói muito, será que torci?

-Deixe-me ver..

Isabel sorri:

- Não vai me dizer que você tão novinho é médico?

-Não...mas entendo algo do assunto. Dói aqui?

- Dói, dói muito....

- Vou pegar o gelo ali,já volto.

Tob deita a cabeça no colo de Isabel.

- Prontinho aqui está o gelo! Assim que melhorar podemos caminhar devagar até o posto de saúde..

- A esta hora?Já deve estar fechado...Cheguei há poucos dias,mas já reparei que tudo por aqui fecha cedo.

Jânio deu um sorriso:

- Mando abrir.

- Hum, você é tão importante assim?

- É que o meu pai é médico e trabalha lá...

- Ah, sei...

- Já está melhor?

- Um pouco

Jânio aponta para Tob:

- Ele gostou mesmo de você. Sabe que isso é raro? Não sei se porque as pessoas geralmente ficam com medo dele....Ele é grande e tem esta cara de mal, mas é um grande cão. Já me ajudou várias vezes.

- Costumo ter medo de cães, principalmente quando não os conheço. Com ele foi diferente.

Como se estivesse compreendendo a conversa,Tob vira o focinho para Isabel.

- Vamos?Apóie- se em mim...

Os dois começam a caminhar. Tob segue ao lado de Isabel.


- Estou me sentindo cansada...é como se estivesse com sono...

-Nos cansamos por aqui também.

- Pensei que você tivesse dito que estas sensações não existiam por aqui.

- Não, não foi bem isso, disse que não estava sentindo isto porque estava se alimentando de outra forma. Só que vez por outra precisamos de restaurar nossas energias de uma forma mais parecida com a convencional.

-Convencional? Se você diz que não se lembra de onde veio.

- Boa resposta. É um lugar semelhante a um grande hotel, lá você pode comer, dormir. Os aprendizes costumam ir lá com mais freqüência, aos poucos vão aprendendo outras maneiras.

- E não corro o risco de me apegar e querer ficar por lá? É que eu sinto falta de algumas coisas.

- Chegamos. Você está de parabéns.

Ester incrédula:

- Jura?? Fiz muitos progressos depois desta reunião onde não se debateu nada, não se esclareceu nada.

- Apesar da sua ironia, mais uma vez está certa. Realmente, aprendeu muito hoje e o que está falando faz sentido, corre o risco de se apegar, de não querer voltar para continuar a sua missão, o que seria lamentável.

- Quando nós, digo os aprendizes, corremos riscos, vocês os supervisores não teriam o dever de nos alertar?

- Não, quer dizer, em casos raros. Vou me despedir de você agora.

- Como assim?Não vai ficar?

- Não, você deve ficar sozinha.

- E se eu fizer algo errado ou se desistir das minhas missões?

- Como os pais ensinam os filhos a darem os seus primeiros passos? Mantendo no berço?

- Está bem...E como faço para te chamar? Uso um telefone?

- Não precisa, quando você estiver pronta para voltar, vai saber como me chamar e eu estarei aqui.

Ziog desaparece como por encanto.

Ester entra no hotel. É um saguão enorme, ela estica o pescoço para admirar o pé direito que se prolonga pelo segundo andar. Nunca tinha estado num lugar assim, pelo menos não que se lembrasse.

Um rapazinho se aproxima:

- Boa noite, a senhora deseja um quarto?

- Sim....- Ester pensa um pouco e diz meio sem jeito – Não trouxe dinheiro e nem bagagem, como vou poder pagar?

- Não precisa.Siga-me por favor.

Eles entraram em um elevador. Ester pôde reconhecer alguns aprendizes que estavam na reunião.

Assim que Ester ficou sozinha no quarto, começou a verificar tudo o que havia. Tinha uma cama grande com edredon florido, dois armários, televisão, um banheiro moderno equipado com banheira...É como Ziog disse, igual ou muito semelhante a um hotel do outro lado.

Ela se sentou na cama e ligou o controle remoto, estava curiosa para saber o que se passava naquela tv, e surpresa constatou que eram filmes, jornais...Nenhuma vida para ser acompanhada..

Batem na porta.

- Sim?

- É a camareira.

-Pode entrar.

- Vim saber se a senhora quer o seu jantar aqui ou no restaurante?

-Onde fica o restaurante?

- É no terceiro andar.

- Vou até lá, obrigada.

A camareira saiu.

Ester começou a sentir fome, sono, vontade de tomar banho, todas as sensações que não tinha desde que chegara. Era como se elas tivessem adormecido e o hotel as fizera acordar, todas ao mesmo tempo. Mas o sono foi mais forte e enquanto pensava o que fazer, ela dormiu profundamente.

Quando acordou, Ester sentiu-se desconfortável, não sabia se aquilo tudo havia sido um sonho, se nunca tinha estado em outra dimensão. Abriu os olhos e viu que estava mesmo naquele hotel, só que isso não significava que o que ocorrera antes era verdade, será que estava de férias ali? Ela se levantou e lembrou do que o rapaz havia lhe dito, que haviam roupas novas no armário e que podia escolher o que quisesse.

Abriu a porta um pouco assustada, como se pudesse pular dali algo inesperado.

Deu um sorriso nervoso, eram só roupas mesmo.

Escolheu uma bata azul claro e uma calça branca. Colocou em cima da cama e foi tomar um banho quente.

O desconforto começava a diminuir. Ela lembrou de Ziog, da reunião, de tudo o que tinha vivido desde que chegara ali. Tudo era muito novo, mas era real, não fora um sonho.

Ao chegar no restaurante, um impacto parecido com o que tivera na entrada do hotel.

Havia muitas barracas com placas indicativas dos países que elas representavam. Entrar em qualquer uma, era como viajar para o lugar. Toda a decoração, tudo de acordo.

Ester escolheu a da Itália. Lembrava deste nome. Será que um dia ela iria ficar como Ziog? Sem lembrar de nada que acontecera antes? Não que lembrasse com clareza, mas algumas pinceladas lhe passavam pela cabeça.

- Boa noite, a senhora quer uma mesa? Prefere aqui ou na janela?

- Aquela ali da janela, por favor.

Ester se sentou.

Um rapaz que parecia ser também um aprendiz,se aproximou:

- Posso sentar aqui com você? Estou um pouco deslocado...É a minha primeira vez no hotel...

Ester sorriu:

- Claro, fique a vontade.

Ela preferiu não revelar que também era a sua primeira vez.

- Meu nome é João e o seu?

- Ester.

- `As vezes sinto vontade de voltar...

João fica pensativo.

Ester pergunta:

- Pra onde você quer voltar??

- Para a minha casa, minha família, minha vida de antigamente. Você não?

- Não me lembro de muitas coisas que aconteceram antes de chegar...

- Por que você escolheu esta barraca? Não foi por alguma lembrança?

- Foi, só que não lembro como você.

- Não? Puxa, eu me lembro de tudo e sinto falta.

Ester pensa em Ziog e se já estaria mais próxima do estágio dele do que o de João.

O garçom interrompe o diálogo

- Os senhores já querem pedir?

Ester pede uma lasanha e João macarrão a carbonarra.

João diz olhando a janela:

- Por mim eu ficaria aqui...Já que não posso voltar para casa, pelo menos, tenho tudo parecido...

Ester continua pensando em Ziog e na conversa que tiveram antes dela entrar no hotel. O apego, a falta de vontade de retornar e continuar a missão. Isso parece que estava acontecendo com João. Ela não sabia se devia intervir.

Eles jantaram em silêncio.

Após o café, João disse:

- Você se incomoda se eu me retirar? Estou indisposto, quero voltar para o meu quarto, assistir televisão..

- Não, de modo algum.

- Muito obrigado pela sua companhia.

Ester caminhou durante algum tempo pelo restaurante, observando as barracas, os aprendizes e os funcionários do hotel. Mesmo sem saber o porquê, conseguia diferenciar com facilidade, até quando os funcionários não estavam trajando uniforme.

Pensou em voltar para o quarto, mas decidiu antes sentar um pouco no saguão. Começou a lembrar de Isabel,Max,Sonia....Onde estaria Ziog?Quando viria buscá-la? Como poderia chamá-lo? Apesar de todas as semelhanças com um hotel como os que ela conhecia, não vira nada além de telefones internos.

- Já querendo voltar?

Ester levanta a cabeça e vê Ziog em pé bem a sua frente.

- Como?!

- Você me chamou e eu vim. Não falei que seria assim?

- Impressionante. Estou chocada! É melhor irmos logo.

Os dois caminham juntos em direção a saída do hotel.

O mesmo rapazinho que a recebeu na entrada se aproxima:

- A senhora já vai? Não quer ficar mais um pouco?

Perturbada Ester sacode a cabeça negativamente.

Já do lado de fora, Ziog pergunta:

- Gostou da sua estadia?

- Sim, descansei bastante ...Conheci um aprendiz.

- Que tal?

- Ele estava nervoso, mais confuso que eu. Fiquei com vontade de ajudá-lo...

- Ajudou?

- Não, não sabia como. Se bem que acho que estou sendo ingênua lhe contando isso, penso que você sabe de tudo o que ocorreu aqui...

Ziog solta uma gargalhada,depois faz um gesto como que pedindo desculpas:

- Não eu não sei de tudo o que acontece, não tenho tantos poderes quanto você julga. Até porque aproveitei o tempo que você estava aqui para me refazer também.

Ester começa a falar baixinho:

- Quando cheguei no hotel fiquei com medo de não querer mais ir embora, achei tudo tão bonito e real, muito mais do que àquela nossa sala cheia de telas e reuniões com vozes....

- E o que a fez mudar de opinião?

Como se não tivesse ouvido a pergunta, Ester continua a falar:

- Sentei na cama, liguei a tv e lembro que senti fome, sono; acabei dormindo...

Ziog interrompe novamente:

- Preciso saber o que houve de fato? O que te fez me chamar daquela maneira?

Ester olha intrigada:

- Não lhe chamei.

- Chamou sim e várias vezes, por quê?

- Creio que foi o João, o aprendiz que conheci no jantar. Ele estava tão nervoso, confuso, quis logo voltar para o quarto, disse-me que não tinha vontade de ir embora. Fiquei com medo de ficar como ele.

-Ah, entendo.

- Posso perguntar quando foi que eu lhe chamei?

- Daqui um tempo você entenderá... Pronto, aqui estamos e volta e devo lhe dizer que mais uma vez estou orgulhoso do seu desempenho.

- Bom, eu já desisti de entender algumas coisas e vou esperar chegar a hora. Além do medo, senti vontade de saber como andam o Max, a Isabel, a Sonia...

- Estão no mesmo lugar onde os deixamos.

- Como assim? Somos tão importantes que paramos o tempo por lá?

- Não, é uma dimensão de tempo diferente.


Sonia levanta decidida.

Artur pergunta:

- Aonde você vai?

- Tomar algumas providências. E você? Precisamos reduzir alguns gastos e vou começar cancelando a festa.

Artur diz aborrecido:

- Isto não, você gosta tanto, podemos economizar depois ou fazer outros cortes.

- Não, temos que começar agora. Além de reduzir o que pudermos, temos que pensar com quem você pode falar, pra arranjar uma nova colocação e eu também.

- Você está parada há tanto tempo...vai ser difícil.

-Se ficarmos choramingando no sofá aí sim vai ser difícil.

Há anos Artur não via a mulher tão decidida, ele até tinha esquecido como ela era no princípio do casamento, forte, voluntariosa. Depois dos nascimento dos filhos, tinha parado de trabalhar e passara a se dedicar mais a família. Parecia mesmo que aquele temperamento ficara no passado.

Ele se levantou e caminhou até a porta.

Sonia com o telefone pendurado no ombro,pergunta:

- Vai sair? Você já falou com o Marcelo?

-Estou pensando em dar um pulo lá...

- Ótima idéia, vocês sempre se deram tão bem. Com certeza ele pode nos ajudar a encontrar uma saída.

Clarissa entra,troca um rápido abraço com o pai.


- O que está achando?

- Eles estão indo bem sem a nossa ajuda...Mas...

- Mas? Fale..

- Não tenho certeza,é que por enquanto ainda fico pensando qual o limite da nossa interferência. Até onde podemos ir e também como intervir.

- Quer que eu explique mais sobre isso?

- Se você puder...Não fizemos grandes alterações até hoje e eu me sinto na maior parte das vezes uma espectadora, como se eu estivesse assistindo a vários canais de tv intercalados.

- Quando você esteve no hotel, ligou a tv?

Ester responde temerosa:

- Sim

Ziog sorri compreensivo:

- Tudo bem, não tem problema em ligar a tv e utilizar os recursos disponíveis lá. O que eu queria dizer era outra coisa,você não viu nenhuma diferença entre a tv e o que fazemos aqui?

- Sei das diferenças básicas, lá é ficção, aqui trata-se de realidade, observamos a vida de várias pessoas..

- Fazemos mais do que simplesmente observar, tente raciocinar, sem que eu lhe diga...Aqui nós podemos interferir...

- Ah, isto aqui poderia ser uma espécie de reality show sofisticado...

- Espero mais de você do que uma observação como esta..

- Desculpe, não consigo pensar em mais nada além disso.

- Tente.

- Você já disse que não somos anjos, nem seres especiais.O que eu aprendi até hoje é que estamos aqui observando estas pessoas e temos algum poder sobre o destino delas.

- Tente mais um pouco..

- Não, tenho a impressão de que Max está nos chamando.

- Viu? Foi assim desta maneira que você me chamou no hotel. Vamos ver o que está ocorrendo com ele.


Max entrou na primeira lotação que apareceu quase quarenta minutos depois.

Um sujeito mal encarado falou pra ele:

- Chega pra lá, isto aqui não é táxi.

Max tentou se encolher o máximo que pôde. Era um rapaz muito alto e forte.

A lotação entrou em uma rua deserta, um caminho que Max não conhecia.


- Ele está com medo? Por que nos chamou?

- Espere,vamos acompanhar...


Com medo, Max perguntou timidamente:

- Que rua é esta?

O motorista falou baixo:

- rua das Amoreiras.

Max quis puxar mais assunto, mas o sujeito ao seu lado continuava lhe olhando com cara ameaçadora.

Ele apertava o talismã que trazia sempre no bolso da calça. Assim que passassem por uma rua conhecida, iria pedir para descer.

Uma senhora que estava no banco a sua frente reclamou:

- Que lugares mais esquisitos, que caminho é este?

Se pudesse, Max lhe faria um sinal para que ficasse quieta.

O motorista não respondeu, começou a diminuir a velocidade até parar por completo num beco deserto.

O homem mal encarado saiu do carro e falou:

- Desce todo mundo!

Tinham mais três pessoas e uma criança, além de Max no carro.

Saíram todos assustados.

O homem entrou novamente no carro que arrancou em disparada.

A mulher que havia protestado exclamou:

- Não é possível! Que maluquice é esta!

Max apesar de tudo estava tranqüilo, para quem estava achando que seria assaltado, ser deixado ali era até lucro.

Um senhor calvo que estivera quieto até o momento perguntou:

- Que lugar é este afinal? Algum de vocês conhece aquela rua das Amoreiras?

Como se estivessem representando em uma peça teatral, todos sacodem a cabeça negativamente.

Max sente uma força e um animo surgirem dentro de si e diz com espírito de liderança:

- Vamos andando, não podemos ficar aqui, parece que por estas bandas não passa ninguém.

O pequeno grupo o seguiu em direção a saída do beco. Apesar de confiante, Max não tinha certeza do que estava fazendo e nem porque agira daquela maneira. Ele costumava ser de espírito reservado e até um pouco tímido. Agora via que todos os olhavam com respeito e admiração, como se fosse capaz de resolver aquela situação esdrúxula.


- Por esta eu não esperava, pensei por um momento que fosse acontecer algo terrível.

- O quê?

- Um assalto, sei lá, tiros.

- Não percebeu algo que modificou a situação?

- Não...

- Você impediu que acontecesse o assalto, e a solução que encontrou foi esta.

Ester estava aturdida:

- Eu?! Não fiz nada... Tem certeza que fui eu? Não foi como o cachorro na história da Isabel?

- Não, desta vez não...Foi você mesma. Intervir inconscientemente é problemático. Precisamos treinar isso.

- Puxa, eu sinto muito.

- É assim mesmo no princípio, quando terminarmos as nossas tarefas hoje, faremos alguns exercícios.

- Não será melhor antes de continuarmos? Posso sem querer fazer algo de novo..

- Não, eu não deixaria. Deixei desta vez porque queria ver se você seria capaz de perceber a sua atuação.

- Como eu iria perceber se foi involuntária?

- Quando eu lhe perguntei você poderia ter percebido. Não se preocupe com isso afinal está aqui para aprender.


O posto de saúde era uma casinha branca ladeada por dois coqueiros enormes.

O portão verde estava fechado.

Isabel olhou a placa com os horários e brincou:

- Está vendo, já está fechado e seu pai não vai voltar a esta hora...

Jânio deu um asssovio e bateu palmas, uma senhora vestida de branco chegou na janela:

- Ah,é você,menino? Seu pai já foi.

- Eu sei Cida, mas esta moça aqui machucou o pé, parece que torceu.


Isabel puxou Jânio e falou baixo:

- Não quero incomodar, amanhã estarei melhor, vamos embora.

Jânio não prestou atenção. Cida veio caminhando devagar, ela sorriu para Isabel:

- O doutor acabou de sair,entre.Vou dar uma olhada e se for preciso chamo o doutor de volta.

- Não,não precisa, só dei um jeito quando estava caminhando na praia.

- É claro que precisa, se você está mancando deste jeito.

Tob parou no portão.

Os três entraram na sala que tinha o odor típico de recintos hospitalares.

Isabel sentou na maca e Cida examinou o tornozelo que estava inchado.

Depois disse:

- É melhor mesmo chamarmos o doutor.

Isabel olha desolada para o relógio:

- Será mesmo? Não quero incomodar e além do mais já está tarde, preciso ir.

- Não senhora....Janio enquanto eu ligo pro seu pai, explica pra moça que ela tem de ficar aqui quietinha.

Cida pegou o telefone.

Jânio consola Isabel:

- Moramos aqui pertinho, ele não se incomoda de voltar, muito pelo contrário, são tão raras às vezes que tem que fazer isso,que até gosta.

Isabel sorri irônica:

- Como assim?

- Não me entenda mal, não que ele goste que alguém se machuque, é que toda vez que tem que voltar ao posto, faz uma caminhada extra, passeia pela praia.

Cida põe o telefone no gancho:

- Pronto, ele está a caminho.

Volta a examinar o tornozelo de Isabel que está contrariada pois pretendia ir para o hotel, tomar um banho e se deitar.


- É esta história continua devagar, parece que tem um ritmo mais lento.

- É, ela tem. Quer mudar alguma coisa ou mesmo mudar de história?

- Como assim? Não entendi.

- Quando chegamos aqui recebemos algumas tarefas, depois de algum tempo podemos escolher se queremos continuar com elas ou se trocamos...

- Não, não quero!

Ziog sorri satisfeito.

Ester pergunta:

- Era mais um destes testes? Se eu escolhesse trocar, seria ruim?

- Não digo ruim, iria retardar o seu processo.

- O que eu queria era modificar mais neste caso específico, agora se não posso, paciência.

- Vou mostrar a você o caminho para o centro de meditação.

- Hã?

Ziog esticou um papel com um mapa:

- Seguindo aqui pela direita e depois em frente até encontrar uma porta, lá haverá alguém lhe esperando.

- Tenho que ir sozinha? Será como no hotel?

- Não, é um lugar totalmente diferente. Quando um aprendiz vai para lá, não é para recarregar as energias já conhecidas e sim para aquelas as quais não tem controle.

- Bom, não entendi muito ou quase nada. Saberei como chegar lá com este mapa?

- Sem dúvida.

Ester caminhou pelo corredor, ia alternando o ritmo do passo, ora depressa ora devagar. Parou, olhou para o mapa.

Uma moça ruiva disse:

- É aqui mesmo.

- Como?

- O centro de meditação, pode entrar.

- Obrigada...

A sala era grande e haviam muitas esteiras coloridas espalhadas pelo chão. Havia um painel azulado no alto da parede à esquerda da porta.

Por algum tempo Ester esperou que viessem passar as instruções do que fazer; a moça que estava na entrada, desaparecera. E ela sentou primeiro em uma das esteiras e ficou observando. Sem um motivo qualquer, levantou e trocou para uma esteira mais próxima do painel. Uma luz se acendeu e Ester compreendeu que tinha acertado em ter trocado de lugar. Aos poucos começou a relaxar e terminou por deitar esticada na esteira.

A luz diminuiu e vários focos de luz piscavam intermitentes pelo seu corpo.

Uma música suave induziu um estado diferente de consciência e Ester teve a impressão de que iria cair em um sono profundo, mas isso não aconteceu. Ela viu várias cenas, em épocas distintas, como na sala de reunião, só que não conseguia distinguir com clareza quem eram os personagens.

As luzes foram parando de piscar e a música parou por completo. Ester levantou, olhou em volta, estava em uma sala comum, deitada no chão, sentou assustada.

Ziog se aproximou e estendeu a mão para que ela se levantasse:

- Tudo bem?

- Sei lá, eu estava me sentindo muito bem, agora estou confusa.

- Por quê?

- Não entrei nesta sala, a sala que eu entrei tinham várias esteiras, luzes coloridas, tocava uma música suave. Isto não é bom!

- O que não é bom?Luzes coloridas, música suave?

- Você sabe o que eu estou dizendo, fico sentindo como se estivesse ficando maluca, entro numa sala e acordo em outra. Passo um período em um hotel onde tudo funciona como antigamente. Se este é algum método pra enlouquecer os que chegam aqui, vocês são muito bons nisso.

- Calma querida, sente aqui.

Ester estava tão assustada que nem prestou a atenção que era a primeira vez que Ziog se dirigia a ela com palavras carinhosas.

- Sei que é difícil, a nossa tarefa não é enlouquecer ninguém, ao contrário, preparamos os que chegam para seguir adiante. Existem etapas a serem cumpridas. Eu já tinha explicado que o hotel era um lugar de recarregar energias antigas, serve tanto para os que ainda não estão adaptados, quanto para os que já estão e ainda sentem necessidade de vivenciar um pouco mais daquelas experiências. O seu avanço tem sido irregular..

Ester ia interromper; Ziog faz um gesto com a mão pedindo que ela espere.

Tem momentos que a sua atuação é perfeita e em outras você retrocede, não compreende. Por isso veio para cá, este local é um centro de meditação e funciona da seguinte maneira, quando o aprendiz vem para cá, ele recebe poucas informações...

- Continuo sem entender..

- Paciência, eu estou explicando, mais até do que devia...Então o aprendiz chega aqui e o que ele vê? Ele vê o que imagina ser uma sala de meditação!

- Quer dizer que aquelas esteiras,o painel, as luzes, tudo isso era da minha imaginação?

- De certa forma...

- E a reação normal da maioria é aceitar isso ?

- Não sei...

- Quer dizer não sei de onde vim, para onde eu vou e o que estou fazendo aqui? É a mesma história sempre, nunca vou ter as respostas?

- Conversamos bastante, precisamos voltar agora.

- Sabe o que eu gostaria?

- Não, o que?

- Gostaria que ficássemos mais tempo lá concentrados na nossa tarefa, não sei se a ida ao hotel e principalmente se vir para esta sala adiantou algo.

- Posso lhe garantir que sim, não espere que seja de maneira racional e consciente. As suas duas saídas foram proveitosas e todas as outras que porventura tiver que fazer serão.

Ziog disse isso e se calou.

Ester olhou para ele que parecia distante.


Clarissa fazia gestos e a mãe respondia com gestos que esperasse, estava ao telefone.

Quando desligou, perguntou:

- Tudo bem? Não tem trabalho hoje?

- Você estava desmarcando sua festa de aniversário? Por quê???

- Fiz uma pergunta,você faltou ao trabalho hoje?

- Estava enjoada pedi dispensa, mas me diz por que você estava desmarcando a sua festa?O que aconteceu?Papai estava com uma cara...

- Senta um pouco. Você está melhor?

- Do quê?

- Não disse que está enjoada?

- Já passou...

Sonia franze a testa.

Clarissa percebe que a mãe não acreditou que ela faltou ao trabalho por estar se sentindo mal.

- Mãe me conta o que está acontecendo?

- Não dá pra faltar o trabalho assim minha filha, você ainda está em fase de experiência,daqui a pouco vai ter que parar mesmo...

- Foi um dia só!Não precisa fazer um drama por conta disso..O que houve com você e com o papai?

- Seu pai foi demitido.

Clarissa ficou pálida, respirou fundo.

Sonia levantou e disse:

Vou pegar um copo d’água pra você.





- Por quê?

- Por que o quê???

- Por que ele foi demitido?

- A velha desculpa do corte de verbas...

- E ele sabe o verdadeiro motivo?

- Não, isto também não importa muito agora...

- Como não?

-Temos que pensar o que vamos fazer daqui para adiante.

- Se o motivo foi injusto ele poderia provar,entrar na justiça.

- É e enquanto isso vivemos de quê?

- Ele não tem uma reserva?!

- Tem mais é muito pouco.. Não era possível fazer economia com você e seu irmão só gastando!

Luís Antonio entra em casa

- O que tem eu?


Ester pensou em falar alguma coisa mas desistiu.

Ziog continuava com o olhar distante.

Um rapaz se aproximou e falou baixo com Ester:

- Ele está assim há muito tempo?

- É, está, estou ficando preocupada.

- Não,não tem que se preocupar, ele está meditando, mas você não deve parar de acompanhar as suas missões. É muito importante que siga sozinha.

- Sozinha? Não me sinto preparada.

- É claro que está, por isso está aqui.

- Fico aflita de ficar olhando para ele assim...

- Então não olhe, preste atenção e siga a sua intuição.

Quando Ester ia protestar novamente o rapaz já tinha desaparecido.


O pequeno grupo que Max liderava, chegou finalmente a uma grande avenida. Os carros passavam em alta velocidade. Max fazia sinal pedindo ajuda e já estava quase desistindo quando um carro reduziu a velocidade.

Um casal estava no carro e mala lotada de embrulhos.

Max deu um sorriso de alívio:

- Que bom que vocês pararam! Estávamos em um carro que foi assaltado e nos deixaram num beco e...

A moça que estava ao lado do motorista respondeu:

- Calma, nós vamos ajudar vocês. Agora não podemos levar todos, como vocês querem fazer?

A mulher com a criança no colo se aproximou:

- Por favor me levem, eu estou com o meu filho pequeno, posso chamar ajuda pra vocês assim que chegar a cidade...

Os outros que estavam no carro fizeram cara de insatisfação, novamente Max falou como líder:

- Está bem, a senhora vai. Só tem que garantir que vai nos mandar socorro, não podemos ficar neste local a esta hora da noite..

- Pode deixar eu prometo. A mulher entrou no carro com a criança enquanto o motorista empurrava os embrulhos para o lado.

Assim que o carro arrancou,o homem calvo resmungou:

- Ela vai esquecer da gente assim que estiver em casa,se é que já não esqueceu.

Max falou com tranqüilidade:

- Não, tenho certeza que não, daqui a pouco teremos socorro.

Max falava com uma segurança que ele próprio não sabia de onde vinha, pois não tinha nenhuma razão lógica para acreditar que aquela mulher providenciaria o socorro.


Ester balançou a cabeça, olhou para o lado, Ziog parecia que estava acordando de um sono profundo.

Ela pergunta:

- Está tudo bem?

- Tudo! Tudo ótimo. E por aqui? O que aconteceu? O que Max está fazendo ali com aquele grupo?

- Você não lembra que ele quase foi assaltado e depois foi parar num beco?

- Sim lembro bem desta parte, quero saber como eles chegaram até ali? Você os ajudou? Onde está aquela mulher com a criança?

- Não, eu não ajudei, só estava aqui observando...Quer dizer,depois daquelas vezes que você disse que eu havia ajudado involuntariamente, tenho um pouco de receio de dizer que não fiz nada de maneira inconsciente...

- Posso lhe garantir que não, não depois ter passado um bom tempo na sala de meditação, está preparada para diminuir seus impulsos inconscientes.

- Estou?! Como se não sinto nada diferente?

- Garanto que está.

- Sendo assim não atuei nas histórias, só observei. E pra ser franca eu fiquei preocupada com você e não quis agir...

- Se por um lado foi bom pois devemos conceder-lhes liberdade para se desenvolverem sozinhos, por outro você não deve ficar tão apegada a mim...

- Sei disso, talvez se você não estivesse aqui do meu lado, fosse mais fácil.

- Como assim?

- É que de repente sem mais você entrou em alfa ou coisa parecida e eu nunca tinha vivenciado isso.

- Não vieram avisar?

- Vieram mas mesmo assim foi um impacto, não consegui me concentrar.

- É uma pena, porque isto vai acontecer outras vezes, em algumas delas eu ficarei aqui desta forma e em outra irei pra lugares distantes..

- Estou ficando assustada...

- Por quê?

- Parece que você está se despedindo, avisando que sumirá em breve.

- E qual é o problema?

- Não estava preparada pra isso. Quando cheguei aqui primeiro fiquei assustada, não tinha a menor idéia que lugar era este, o que eu estava fazendo aqui, me sentia como aquele aprendiz o João...então você chegou começou a me explicar as missões, algumas tarefas e eu fui me adaptando.

- Mesmo com o meu jeito irônico às vezes?

- Mesmo...

- Então é por isto que terei que me ausentar e pode ser longo o período de tempo que você terá que trabalhar sozinha.

- Ah,não!

- Vamos lá, você não é nenhuma criança e tem que entender que esta é uma parte muito importante do ensinamento.

- Tudo bem, então agora eu posso decidir quem devemos visitar agora?

- Visitar? Que termo é este?

- Pensei em espiar, vigiar e no fim visitar, qual seria o mais correto?

- Isto não tem muita importância, podemos usar o termo visitar se lhe agrada, apesar de quê não estamos bem fazendo uma visita, já que eles não sabem da nossa presença... Por que você perguntou se poderia escolher?Está preocupada com alguém especial? Aposto que é a Isabel...

Ester sorriu:

- Acho que ela parece comigo e fico querendo saber o que vai acontecer..

- Você sabe que não deve se identificar com ninguém, não sabe?

- Hum, isto significa um não?

- Espere um momento –Ziog aperta a mão em concha contra orelha e sacode a cabeça afirmativamente.

Ester fica observando curiosa, nunca havia reparado que havia um pequeno aparelhinho na orelha de Ziog; o que seria? Com certeza recebia instruções por ali.

Ziog retirou a mão e cruzou os braços:

- Infelizmente, você não vai poder ver o que está acontecendo com a Isabel e nem com nenhum dos outros..

- Por que? O que houve?

- Temos que nos concentrar porque um de nós tem que ir para lá...

- Quem? Ir para aonde?

- Eu ou você teremos que ir até a Terra, resolver uma situação que se complicou.

- Terra? Você pode me dizer que lugar é este que nós estamos?Nunca sei se é outro plano,outra dimensão,outro planeta, é tudo muito estranho,novo.

- Não se preocupe muito com isto, é apenas um detalhe.

- Detalhe?!

- Ah, Ester como a sua evolução é difícil, avança e recua...A única coisa que vou lhe dizer é que você vai para a Terra daqui a pouco. Lá chegando saberá o que fazer.

- Não vou! Se você não me disser direitinho o que estamos fazendo aqui, quem somos nós,quem são estas pessoas as quais visitamos,vigiamos..

Ziog ficou mudo,continuou sentado com as mãos em cima dos joelhos.

Ester percebeu que não adiantava se desesperar, gritar, ela teria que ir e não saberia nada, nenhuma resposta.

Um clarão enorme iluminou a sala.

Quando abriu os olhos,Ester não compreendeu, ela estava em uma praia parecida com aquela que Isabel estava quando escutou a explosão. Estranhou mais ainda quando um rapaz se aproximou....

-Está tudo bem com você?

- Sim...obrigada..

- Você está parecendo muito assustada.

- Seu nome por acaso é Jânio?

- Não senhora, me chamo Oscar.

Ester respirou aliviada.

- Que lugar é este?

Oscar coçou o queixo, um tique que tinha nos momentos em que ficava tenso.

- A senhora não sabe? Acho que está precisando de médico...

Novamente Ester viu tudo escurecer, assim que abriu os olhos estava na maca de um hospital muito parecido com o que Isabel estava.

Um médico com ares ainda de menino sorria para ela:

- Tudo bom? Como é o seu nome?

- Ester

- Ester...você teve uma queda de pressão mas já está normalizando. Você mora por aqui?

Oscar deu um puxão de leve no braço do médico. Ester percebeu e sem saber como, teve uma intuição e respondeu:

- Sou lá do Continente, penso que ele – diz apontando para Oscar – se assustou porque tive uma ligeira tontura lá na praia e me deu um branco, o senhor sabe como é doutor??

- Doutor Jânio,muito prazer.

Oscar novamente sacode o braço do médico:

- Ela perguntou pelo senhor lá na praia...

Mais uma vez Ester conseguiu responder com rapidez:

- Ouvi muito falar sobre o senhor, a sua fama já está alcançando o país.

Jânio deu um sorriso tímido e envaidecido.

- Bondade sua, comecei há pouco tempo a clinicar...

Ester segurou a mão dele e disse:

- Pois saiba que lá no Continente falam muito bem do senhor.

Jânio retira a mão nervoso e diz:

- A senhora deve ficar repousando aqui por mais duas horas e depois pode ir para casa, mora longe?

- Estou em um hotel aqui perto.

Ester está assombrada como consegue responder estas perguntas todas para as quais não tem a menor idéia sobre o que está falando, queria que Ziog lhe aparecesse,que dissesse que aquilo era mais um teste e que ela havia passado...

Jânio faz um gesto para Oscar indicando a saída:

-Vamos deixa-la,ela precisa repousar. Muito obrigado meu amigo por tê-la ajudado.

Na outra sala, Ester escuta os sussurros de Oscar:

- O senhor achou ela normal? Como é que pode alguém não saber onde está?E depois vir com esta conversa de Continente...

Jânio ainda pensando no elogio,diz:

- Ela explicou estava tonta, vamos Oscar,vá dá uma volta, você já cumpriu a sua boa ação de hoje.

Ester sonhou.

-Ziog?Ziog?Cadê você?

Ziog lhe apareceu sorrindo

- Estou bem aqui.

- Que lugar é este? Por que estou aqui?

- Foi necessário.

- Não é o mesmo lugar onde está a Isabel? Este doutor Jânio,não era aquele rapazinho? Alguns anos se passaram desde aquele episódio na praia? O que eu devo fazer? Estou confusa! Me ajude

- Você não está percebendo que tudo está se ajeitando?

- Não estou percebendo nada! Preciso de respostas.

Ziog fez sinal para que ela ficasse em silêncio.

Janio entra na sala e se aproxima da maca.

- Está se sentindo melhor?


quarta-feira, 25 de junho de 2008

Tempo

Em nenhum momento o tempo correspondia ao medo, já passavam das dez e ela não recebera a resposta que tanto esperava. Seria preciso mais um verão? A sensação era que tudo permanecia igual.